Organizaes da sociedade civil, secretrios de Educao e estudantes acreditam que o Programa P-de-Meia, do governo federal, ir combater a alta evaso escolar no ensino mdio, por estudantes que abandonam os estudos, sobretudo para trabalhar. Mesmo assim, apontam que uma medida paliativa, e que a etapa do ensino mdio ainda precisa de reformulao para que seja mais atrativa juventude e possa oferecer perspectivas de futuro.
O Programa P-de-Meia uma espcie de poupana que o governo federal abrir para os estudantes de baixa renda que cursarem o ensino mdio. Os recursos sero depositados em conta em nome do estudante beneficirio, de natureza pessoal e intransfervel, que poder ser do tipo poupana social digital. Os valores no entraro no clculo para declarao de renda familiar e recebimento de outros benefcios, como o Bolsa Famlia, por exemplo.
Para os estudantes, a medida uma conquista, uma reivindicao antiga da Unio Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). "A gente ficou bastante feliz com o fato de ter agora o P-de-Meia. A gente acredita que qualquer poltica pblica que seja voltada para a educao bsica, principalmente para o combate da evaso escolar, positiva", avalia a presidente da Ubes, Jade Beatriz.
Segundo a presidente da Ubes, a medida ir atender a maioria dos estudantes em situao de vulnerabilidade, alm de estimul-los a tirar boas notas e a fazer o Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem).
"A gente acredita, no entanto, que os estudantes que no conseguem tirar boas notas tambm precisam da bolsa tanto quanto os estudantes que tiram boas notas", defende a estudante. Ela acredita que o desempenho do estudante pode estar ligado a outras questes para alm da vontade deles, que podem ser impedidos de estudar e se preparar pelas mais diversas situaes.
Secretrios
O Conselho Nacional de Secretrios de Educao (Consed), que rene os secretrios estaduais, os responsveis pela maior parte da oferta do ensino mdio pblico no pas, tambm elogiou a medida. Segundo o secretrio de Educao do Esprito Santo e presidente da entidade, Vitor de Angelo, o programa ataca um problema grande, que dos jovens deixarem os estudos porque precisam trabalhar.
“J era grave antes da pandemia, talvez tenha se ampliado ainda mais pela necessidade de trabalho de muitos estudantes”, diz. “A gente sabe que o trabalho um fator que concorre com o estudo. E nessa idade, que uma idade laboral, a idade em que o aluno est no ensino mdio, ele est mais propenso a trabalhar, seja porque quer ou por necessidade, muitas vezes. E a, ao trabalhar, ele acaba, muitas vezes, tendo que largar o estudo”.
Angelo ressalta ainda que a medida, apesar de muito importante, no resolve todos os problemas dessa etapa de ensino. “Ele um paliativo, mas ele, como toda poltica de conteno de danos, pode ter um efeito imediato importante. Sozinho ele no resolver. Por exemplo, se a escola no for atrativa, no adianta a gente tentar trazer o aluno para dentro da escola. Ento, importante no esquecer de outras polticas, e acho que o ministrio [da Educao] no est apostando nesse caminho de o P-de-Meia ser a soluo mgica”, avalia.
O pas ainda discute um modelo para o ensino mdio. A etapa foi reformada por lei em 2017. A implementao, no entanto, que ocorreu aps a pandemia, no agradou os estudantes, professores e organizaes sociais, que disseram que as mudanas no atendem os anseios dos alunos, que no recebem um preparo adequado para ingressar em uma universidade, por exemplo, e que o modelo apenas amplia desigualdades, entre outras crticas.
O governo federal realizou ento uma consulta pblica, para modificar novamente a etapa do ensino. O novo projeto para o ensino mdio est em tramitao no Congresso Nacional.
Enquanto o novo modelo no entra em vigor, as escolas seguem, de acordo com Angelo, a implementar o modelo vigente.
“Esse aluno est muito propenso a sair da escola, deixar a escola, sabe? O P-de-Meia volta o seu olhar para um pblico que, na verdade, est deixando a escola, talvez, por uma outra razo. E que pode at ficar na escola em funo dos benefcios financeiros que o programa traz, mas o benefcio no vai tornar a escola atrativa. A gente precisa avanar o mais rpido possvel com esse aprimoramento da reforma do ensino mdio”, enfatiza o secretrio.
A aprovao clere de um novo modelo para o ensino mdio tambm uma pauta defendida pela Ubes. "A gente est muito apreensivo, mas tambm com muito gs. A gente chamou uma mobilizao para todo o ms de maro, para pressionar o Congresso Nacional, pressionar os deputados e senadores, para votarem de maneira integral o projeto de lei que foi feito pelos estudantes, que foi feito pelas entidades de educao", diz Beatriz.
O programa P-de-Meia oferece quatro tipos de incentivos para os estudantes do ensino mdio: incentivo-matrcula, pago uma vez por ano para aqueles que se matricularem; incentivo-frequncia, pago em nove vezes durante o ano para aqueles que frequentarem pelo menos 80% das aulas; incentivo-concluso, pago pela concluso dos anos letivos, para aqueles que forem aprovados, participando das avaliaes; e, o incentivo-Enem, pago uma nica vez para aqueles que comprovarem a participao Enem.
No ato da matrcula, no incio do ano letivo, o estudante do ensino mdio receber em sua conta poupana R$ 200. Com a comprovao de frequncia, ele ter direito ao recebimento de R$ 1,8 mil por ano, em nove parcelas de R$ 200. Assim, o total por ano letivo ser de R$ 2 mil. Ao concluir a ltima srie, o aluno receber R$ 3 mil na conta poupana, que equivale a R$ 1 mil por srie. Aqueles que participarem do Enem recebero R$ 200. Assim, caso o estudante cumpra todos os requisitos estabelecidos ao longo dos 3 anos, ele ter recebido um total de R$ 9,2 mil.
O programa voltado para estudantes de 14 a 24 anos de idade matriculados no ensino mdio regular da rede pblica e para os estudantes de 19 a 24 anos de idade matriculados na Educao de Jovens e Adultos (EJA).
Para receber o benefcio, os estudantes precisam ser de baixa renda e a famlia precisa estar inscrita no Programa Bolsa Famlia. Os estudantes tero o aos recursos ao longo do ensino mdio, medida que forem cumprindo os requisitos. As parcelas referentes concluso, no entanto, s sero pagas ao final do ensino mdio, fazendo com que o estudante precise se formar para receber esse recurso.
Populao vulnervel
Para o conselheiro e fundador do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), Hlio Santos, a poltica P-de-Meia tem o mrito de “resolver diversos problemas graves com uma nica ao”. Ao mesmo tempo, segundo o conselheiro, ela combate a evaso, evita que jovens, por exemplo, sejam cooptados pelo crime organizado em reas de vulnerabilidade, e proporciona aos jovens a oportunidade de sonhar com um futuro melhor.
Fundador do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), Hlio Santos - Foto: Roda Viva/Divulgao
Ele chama a ateno para o alto ndice de estudantes que abandonam os estudos, sobretudo entre a juventude perifrica, na sua maioria negra. “Os jovens abandonam os estudos em busca de um trabalho que no existe para quem no tem formao, ou pior, partem muitas vezes para a arena sem volta do crime”, alerta.
Santos elogia as contrapartidas do programa ao exigir a frequncia dos jovens nas aulas, que sejam aprovados e que faam o Enem. Tambm elogia a ideia de que parte dos recursos seja guardada em uma poupana em nome de cada jovem e parte seja usada pelas famlias para que elas sejam tambm “estimuladas a manter os jovens na escola at concluir o ensino mdio”.
De acordo com Hlio Santos, no entanto, deveria haver mais obrigaes. “Os jovens deveriam cumprir algumas obrigaes sociais, assistindo palestras virtuais bem elaboradas sobre violncia, drogas, riscos do aliciamento pelo trfico, gravidez precoce e seus efeitos deletrios nas vidas das meninas e mulheres, e tambm palestras orientadoras sobre carreiras”, defende. Ele tambm defende que o valor a ser ofertado aos jovens pela frequncia escolar seja superior, chegando a algo em torno de R$ 500 por ms, pouco mais de um tero do salrio mnimo atual.
A diretora executiva do Observatrio de Violncias LGBTI+ em Favelas, Gilmara Santos da Cunha, tambm elogiou o programa. “Acho uma iniciativa importante, muito bem pensada para atingir a populao mais vulnervel, como a populao das favelas”.
A organizao elaborou o 1 Dossi anual do Observatrio de Violncias LGBTI+ em Favelas, que mostra que a populao travestignere – pessoas trans, travestis e no-binrias – a que mais sofre com falta de o educao.
Diretora executiva do Observatrio de Violncias LGBTI+ em Favelas, Gilmara Santos - Foto: Gilmara Santos da Cunha
Dados apontam que 25,5% de travestigneres em reas de favela do Rio de Janeiro abandonaram a escola antes de concluir os estudos e sequer aram o ensino mdio. Entre as pessoas LGBQIA+ nesses territrios, esse ndice de 8%.
“As favelas so mais impactadas no que tange a questo da escolaridade por conta da sobrevivncia cotidiana a que essa populao est sujeita. E por no termos uma distribuio de renda, isso prejudica com que essa populao esteja, de fato, nos espaos educacionais. Eu considero que essa poltica uma poltica que vem embasada em fatores importantes, que a vulnerabilidade, e que vai nos ajudar a garantir a presena da nossa populao nos espaos educacionais”.
“A gente no quer mais s estar no boletim de violncia, mas tambm no boletim sobre cultura, sobre arte, sobre economia, sobre sustentabilidade”, afirma Gilmara Santos.
Edio: Fernando Fraga
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