A validade do projeto de lei da "ficha limpa", que probe a candidatura de polticos condenados na segunda instncia, tema de divergncia entre juristas consultados pelo G1. Embora o texto indique que as novas regras entram em vigor na data da publicao, cada um interpreta de uma forma o prazo-limite da sano para que a lei, se for aprovada, seja aplicada no pleito de outubro. Outro ponto de discrdia a constitucionalidade da lei, que poderia ferir o princpio de que qualquer cidado s considerado culpado quando no h mais possibilidade de recurso judicial. O projeto foi aprovado na Cmara dos Deputados nesta tera (11) e j est no Senado, onde deve ar pela Comisso de Constituio e Justia (CCJ) e pelo plenrio - h possibilidade de ir direto ao plenrio, mas ainda no h definio. Caso haja alguma alterao no texto, precisa voltar a ser analisado pelos deputados. S depois que o projeto vai sano do presidente da Repblica e vira lei. Entidades como o Movimento de Combate Corrupo Eleitoral e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmam que, se o texto foi sancionado at 9 de junho, vale ainda neste ano. Essa data vspera do primeiro dia permitido pela Justia Eleitoral para convenes partidrias que definiro os candidatos. O G1 ouviu um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um desembargador de Tribunal Regional Eleitoral (TRE), um ex-procurador eleitoral e um advogado especializado no tema. Cada um tem uma interpretao diferente a respeito de a partir de quando a lei comea a vigorar. 3m2dt Para o ex-ministro do TSE Fernando Neves, a lei s deveria valer para as prximas eleies, uma vez que a Constituio prev que quaisquer mudanas no processo eleitoral devem ser feitas pelo menos um ano antes do pleito. O artigo 16 da Constituio diz especificamente que "a lei que alterar o processo eleitoral entrar em vigor na data de sua publicao, no se aplicando eleio que ocorra at um ano da data de sua vigncia".
"Embora haja precedentes itindo que a inelegibilidade no est sujeita ao artigo 16 (da Constituio), entendo que uma alterao no processo eleitoral, porque isso (o processo) deve ser entendido de forma mais ampla. Por exemplo, algumas pessoas decidiram no deixar os cargos porque achavam que no deveriam disputar com fulano de tal. Mas a situao muda se fulano de tal no pode concorrer. Isso influencia, sim, no processo eleitoral", afirma o ex-ministro Fernando Neves.
Plenrio da Cmara durante a votao do projeto ficha limpa, nesta tera (11) (Foto: Agncia Cmara)J o vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN), desembargador Cludio Santos, avalia que se a lei for publicada at o fim do prazo para Justia Eleitoral avaliar os registros de candidaturas, 19 de agosto, vale ainda nestas eleies.
Ou seja, o juiz deveria, na opinio do desembargador, analisar cada caso individualmente conforme a lei em vigor na ocasio. "Do ponto de vista jurdico, a lei pode e deve ser aplicada imediatamente aps a publicao, inclusive valendo para os eventuais pedidos de registros pendentes. Ou seja, se houver conveno e naturalmente o partido encaminhar os pedidos de registro - at o deferimento do registro pelo tribunal -, acredito que a lei pode ser aplicada para esta eleio", afirma Santos. Para ele, a inelegibilidade no tem a ver com o processo eleitoral.
A avaliao do advogado e ex-procurador eleitoral de So Paulo Antonio Carlos Mendes de que se a sano ocorrer at 30 de junho, prazo final das convenes que escolhem os candidatos, a lei valeria ainda para este ano.
"Existe determinao que lei que altera o processo eleitoral no se aplica eleio que ocorra at um ano da data de sua vigncia. Mas penso que no se trata de alterao do processo eleitoral. Entendo que se for publicada at 30 de junho, promulgada, antes do perodo que inicia o registro das candidaturas, pode ser aplicada (em 2010)."
Especialista acredita que deciso sobre validade ficar por conta do TSE.Para Mendes, porm, preciso esperar. "No sabemos exatamente qual ser o teor da lei, como vai sair do Senado." Os senadores podem alterar o texto para definir a partir de quando a lei vale.
O advogado eleitoral Alberto Rollo concorda com a OAB sobre 10 de junho. "Entendo que se for aprovado antes do incio das convenes, vale." Rollo acredita, porm, que a discusso deve chegar ao TSE. "Alguns partidos devem entrar nos TREs e o caso vai chegar ao TSE", avalia.
Constitucionalidade Rollo destaca, porm, que outro item da lei deve ser questionado: a constitucionalidade. Isso porque o artigo 5 da Constituio, que aborda os direitos e garantias fundamentais, afirma que "ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria".
"O prprio Supremo na ADFF 14 (Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental) j decidiu contra barrar candidaturas sem condenao transitada em julgado. Se algum questionar a lei diretamente no STF, a lei da ficha limpa pode ser considerada inconstitucional."
A ADPF 144 foi votada em agosto de 2008, antes das eleies municipais. Na ocasio, o STF decidiu que no poderiam ser barradas candidaturas de polticos condenados na primeira instncia por conta da presuno de inocncia.
Inelegibilidade no pressupe culpa formada, no deve haver discusso sobre presuno da inocncia. Pode haver inelegibilidade por parentesco, estar em cargo, falta de domiclio eleitoral ou filiao partidria. Causas que no tm nada a ver com condenao criminal"Fernando Neves, ex-ministro do TSEPara o ex-ministro do TSE Fernando Neves, porm, a lei da ficha limpa no inconstitucional. "Inelegibilidade no pressupe culpa formada, no deve haver discusso sobre presuno da inocncia. Pode haver inelegibilidade por parentesco, estar em cargo, falta de domiclio eleitoral ou filiao partidria. Causas que no tm nada a ver com condenao criminal."
Eficcia Todos os juristas ouvidos pelo G1 concordam que h poucos polticos condenados por deciso colegiada e que um pequeno nmero de pessoas seria prejudicado com a lei da "ficha limpa". Mesmo assim, todos concordam que a condenao deve ser por grupo de juzes, e no por uma deciso monocrtica (de um nico magistrado), como garantia dos direitos individuais.
"No meu estado (RN), h casos de alguns ex-prefeitos condenados em segunda instncia. Mas o nmero muito baixo. Mas acho que a discusso no deve ser esta, mas sim a eficcia pedaggica da lei. Os polticos saberem que h outras consequncias prticas para quem comete irregularidades", avalia o desembargador Cludio Santos.
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